ITCMD na transferência de bens localizados no exterior a título de herança

Este artigo tem por escopo a análise de decisão prolatada nos autos do processo administrativo originado a partir da lavratura do AIIM nº 4.068.013-7, pela qual a Câmara Superior do TIT, por maioria, deu provimento ao Recurso Especial interposto pela Fazenda do Estado de São Paulo, reformando o entendimento apresentado pela então 3ª Câmara Julgadora.


Em síntese, aludida Câmara Julgadora havia cancelado o AIIM, por entender que o valor exigido não se referiria à herança, mas somente à correção de valores depositados em contas judiciais, relativos a expurgos inflacionários.


O voto da I. Relatora do Recurso Especial, Dra. Cacilda Peixoto (acompanhado por 4 Juízes da Câmara Superior) deu-lhe provimento, em síntese sob o entendimento de que “...na ausência da lei geral, os Estados possuem competência plena para legislar sobre o imposto, inclusive sobre a sua incidência em relação aos bens imóveis situados no exterior.”


Por sua vez, o voto-vista do Dr. Alberto Podgaec (seguido por 3 Juízes da Câmara Superior) também foi no sentido de prover o Recurso Fazendário, porém fazendo consideração ao Tema 825 do STF (Repercussão Geral - Modulação), nos seguintes termos:


“Após análise dos autos, concordo integralmente com a I. Relatora.

Cabe ressalvar que a matéria em questão foi examinada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 851.108, com repercussão geral reconhecida por meio do Tema 825, in verbis: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.

No entanto, os efeitos de tal decisão foram modulados a partir da data da publicação do acórdão que julgou o RE 851.108, que ocorreu em 20.04.2021, com trânsito em julgado em 24.05.2022, ressalvadas as ações judiciais pendentes de conclusão, de modo que os processos administrativos, como o ora em análise, não foram objeto da referida modulação, não havendo, pois, qualquer óbice à manutenção do presente lançamento.”



Ressalte-se que a Juíza Relatora incorporou ao seu voto inicial o entendimento acima transcrito.


Por outro lado, o voto vencido, prolatado pelo Dr. Juliano Di Pietro (acompanhado por 3 Juízes da Câmara Superior) divergiu do entendimento acima exposto em relação à interpretação da modulação dos efeitos do julgado do STF, veja-se:


“Minha convicção fundamenta-se na crença de que a modulação dos efeitos da decisão do STF, com “eficácia ex nunc, a contar da publicação do acórdão em questão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta: (1) a qual Estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente”, deve ser estendida aos processos administrativos em curso na data da conclusão do julgamento de mérito.


Isso, porque entendo que o propósito da modulação para atribuição de efeitos ex nunc à decisão com a ressalva de ações em curso é justamente o de resguardar o contribuinte que busca assegurar seus direitos (“Dormientibus non sucurrit jus”). Ainda a esse propósito, é notório que a Constituição Federal assegura aos indivíduos um sistema dúplice de solução de conflitos com a administração, o qual compreende o processo administrativo e o processo judicial, os quais, conquanto não possam existir em concomitância em razão da inegável prevalência do provimento jurisdicional, que é prerrogativa judicial, podem suceder-se na específica ordem iniciada pelo processo administrativo, seguido, então, do processo judicial na hipótese de o administrado restar vencido em alguma medida.


Por conseguinte, é, a meu ver, inadmissível a interpretação da ressalva da modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade pelo STF apenas a ações judiciais, sob pena de afronta ao próprio artigo 5º, LV, da Lei Maior, que a todos garante o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo e judicial.


Assim, uma vez que a autuada buscou defender-se contra o lançamento e o Sistema Constitucional Tributário franqueia-lhe o processo administrativo previamente ao judicial, embora possibilite o acesso direto ao Judiciário, é de todo irrazoável não estender a ressalva pretoriana à Recorrida unicamente por ter ela se valido de sua garantia constitucional à ampla defesa e ao contraditório em processo administrativo antes de eventual ação judicial.”






Verifica-se que este voto vencido entendeu pela extensão da modulação dos efeitos da decisão do STF também aos processos administrativos tributários, em atenção aos primados constitucionais da ampla defesa e do contraditório.


Saliente-se ainda que foi prolatado, na ocasião, voto isolado pelo qual o Juiz Carlos Américo Domeneghetti Badia entendeu pela necessidade da conversão do julgamento em diligência para que as partes se manifestassem acerca dos efeitos do julgado do STF, discussão essa levantada de ofício, sem a provocação das partes.


Diante deste cenário, verifica-se que foram totalizados 9 votos pelo provimento do Recurso Especial da Fazenda (modulação apenas para processos judiciais); 4 votos pelo desprovimento do aludido Recurso (modulação extensiva aos processos administrativos) e 1 voto pela conversão do julgamento em diligência (2 Juízes fazendários não votaram na ocasião por problemas técnicos relacionados à conexão virtual).


Diante do julgado aqui reportado, observa-se que a Câmara Superior do TIT, quando do julgamento que manteve, por maioria, o AIIM nº 4.068.013-7,  entendeu que a modulação dos efeitos da decisão do STF (Tema 825 da Repercussão Geral) se aplica, tão-somente, às ações judiciais em curso, não se estendendo aos processos administrativos tributários.


A nosso ver, uma verdadeira lacuna se criou com tal limitação às ações judiciais, levando-se em conta que a discussão na esfera administrativa é inerente ao nosso sistema tributário, antes do ingresso de eventual demanda judicial em caso de derrota do contribuinte naquela seara.


E fica a questão: Será que é permitido ao julgador administrativo tributário interpretar a aplicação de decisão prolatada pelos Tribunais Superiores ou deve este se ater à literalidade do julgado?


Importante salientar que, diante da presença de juízes substitutos e de alguns que não votaram na sessão de julgamento do Recurso Especial (AIIM nº 4.068.013-7), a Câmara Superior do TIT eventualmente poderá trazer entendimento diverso ao aqui reportado.


Autores: Rodrigo Helfstein e Danilo Bertagnoli

Publicado na revista JOTA