Quórum de votação para relevação ou redução de multa

O presente artigo tem por escopo a análise de decisão publicada no último dia 21 de agosto, prolatada nos autos do processo administrativo originado a partir da lavratura do AIIM 4.038.265-5, na qual a Câmara Superior do TIT, por maioria de votos, determinou o retorno dos autos à Câmara Julgadora para que a presidência reformule o despacho que expressou os efeitos da decisão ordinária em relação ao quórum mínimo (pelo menos três dos juízes presentes), estabelecido na legislação do processo administrativo paulista, para a relevação ou redução da multa, benesse legal veiculada pelo art. 527-A do RICMS/00[1], conforme se passa a demonstrar.


O voto-vista que prevaleceu, da lavra do juiz Edison Aurélio Corazza (acompanhado por 10 juízes), trouxe, em síntese, o seguinte entendimento:


“(...)

Eventual vício ou erro, nasce quando do despacho do então Presidente da 14ª Câmara, proferido nos seguintes termos:


Esclareço que não houve a redução da multa proposta em razão do quórum qualificado de ¾ (três quartos) dos juízes presentes, estabelecido no art. 61, § 2º, da Lei 13.457/09 e 92 do Decreto 54.486/09 (com a nova redação dada pela Lei 16.498/17 e pelo Decreto 63.122/17).

(...)

Entretanto, o processo administrativo fiscal paulista tem uma disposição legal específica a regular a matéria, mais especificamente o artigo 91 da Lei 13.457/2009, que assim dispõe:

Artigo 91 – Os atos processuais terão sua forma, prazo e exercício regidos pela legislação processual em vigor na data em que se tenha iniciado a fluência do prazo para sua prática.

(...)

No caso concreto, o recurso ordinário interposto se deu em novembro de 2014, enquanto a lei que deu nova redação ao artigo 61 da lei que rege o Contencioso Administrativo Tributário no Estado é de julho de 2017 e, portanto, não poderia reger, neste caso, e nos termos do aqui julgado em 2023, julgamento cujo recurso foi proposto anteriormente a sua edição.


Cabe a essa Câmara Superior avaliar a extensão deste vício. E para mim a questão deve ser enfrentada mesmo sem indicação de paradigma, pois diante do artigo 2º da Lei 13.457/2017, a viciada avaliação da pendência gera indesejável insegurança jurídica.


Assim, acompanho o raciocínio do meu colega relator, entretanto divirjo na parte relativa a sua conclusão, posto que não é a decisão recorrida nula e sim o despacho da presidência, que deve ser reformado aqui, no sentido de que os efeitos da decisão proferida pela 14ª Câmara tem por efeito a redução da multa votada por maioria, nos termos da redação original do já tão aludido artigo 61.


Isto posto, conheço de ofício, como feito anteriormente, até porque não estamos aqui confrontando o acórdão proferido e sim o despacho o presidente da Câmara Julgadora, o recurso especial do contribuinte para confirmar o decidido por maioria pela câmara ordinária, no sentido de dar efeitos à redução da multa julgada por maioria.

(...)

Com efeito, como já demonstrei, não existem vícios ou razões para reforma na decisão colegiada, não cabendo a sua nulidade, unicamente do despacho que determinou seus efeitos, que deve ser reformado. Feito isso, prevalecendo meu entendimento, converto o julgamento em diligência para que as partes sejam intimadas desta alteração e apresentem, se assim o quiserem, complemento de seus recursos”.


Houve voto-vista do juiz Carlos Americo Domeneghetti Badia (acompanhado por 4 juízes) no sentido de que “...o particular não se insurgiu contra a aplicabilidade da nova regra de quórum diferenciado para relevação ou redução de multas trazidas pela Lei 16.498/17, limitando-se a pleitear nulidade por omissão do voto vencedor quanto as razões de fato e de direito que o fizeram rejeitar o seu pedido. Por conta disso, sob pena de injustificada deliberação de ofício e sem suporte em paradigma, com contrariedade ao artigo 49 da Lei 13.457/2009, tão só nesse específico aspecto discordo da conclusão do D. Relator, que deve prosseguir na avaliação dos recursos inclusive deste pleito de nulidade que, avaliado sob prisma distinto do pretendido, reclama adequada apreciação”.


Também teve voto de preferência por parte do juiz Valério Pimenta de Morais, no mesmo sentido do voto vista acima, acrescentando que o reconhecimento de ofício de nulidade somente poderia se dar em casos excepcionais, nos quais “possa configurar a desnaturação jurídica de institutos de direito material ou processual...”.


Ademais, este voto trouxe o entendimento de que “o comando posto pelo art. 61, § 2º, da Lei Estadual 13.457/2009 (alterado pela Lei Estadual nº 16.489/2017 e sua correspondente regulamentação), pela classificação tradicional da teoria das normas jurídicas, cuida-se de regra de natureza jurídica processual, de aplicação imediata, uma vez que, por sua própria estrutura, se destina exclusivamente a regular a forma com que se dará a solução dos conflitos pela autoridade judicante, dotando-a de instrumentos para tal fim, de maneira que poderia ser aplicada – como o foi – pela sede de judicância ordinária na data do julgamento (20 de março de 2019)”.


No presente caso, a interposição do recurso ordinário ocorreu em novembro de 2014, e a lei que deu nova redação ao artigo 61, § 2º, da Lei Estadual 13.457/2009 - Lei Estadual nº 16.489, é de julho de 2017, a qual, nos termos da decisão ora em comento, não poderia reger julgamento cujo recurso foi interposto anteriormente à sua edição.


Diante deste cenário, verifica-se que, por maioria, prevaleceu o entendimento de que o processo administrativo fiscal paulista possui disposição legal específica (artigo 91 da Lei 13.457/2009), que determina que atos processuais devem ter sua forma, prazo e exercício regidos pela legislação processual em vigor na data em que se tenha iniciado a fluência do prazo para sua prática e não a data do julgamento.


A temática aqui abordada possui grande relevância, tendo sido debatido no julgado, de forma extenuante, os institutos correspondentes às regras de natureza material em confronto com as regras de natureza jurídica processual, definindo-se pela aplicação das primeiras ao caso concreto abordado.


Ademais, importante ressaltar que o entendimento vencedor também reconheceu de ofício a incorreção do despacho proferido pela Presidência da Câmara Julgadora, que havia registrado a conclusão pela negativa de redução da multa, aplicando a lei vigente quando daquele julgamento, em detrimento da redação legal vigente da data de interposição do recurso.


Com isso, pode-se afirmar que este posicionamento majoritário traz segurança jurídica aos atos processuais praticados pelas partes (aplicação de regra de natureza material), além de assegurar a efetividade do processo administrativo, na medida em que reconhece de ofício a nulidade aqui tratada.


Autor: Rodrigo Helfstein